movimento
FÁBRICA DE CIMENTO PORTLAND PERUS.
Perus: a firmeza permanente construindo o futuro
A Fábrica de Cimento Portland de Perus grita: suas paredes nos permitem ouvir sons, sentir cheiros, produzir recordações, lembranças e imaginar lutas e desafios. Grita também pois, além de resistir como lugar de memória e consciência de toda uma população que com ela aprendeu a crescer e dialogar, ela se encontra em deplorável estado de conservação, expondo em suas cicatrizes e feridas as marcas do desprezo de seus atuais proprietários pelas representações, valores e memórias que milhares de pessoas associam a ela.
Trata-se, a Fábrica, de uma herança: não mero espólio econômico. Para além do aspecto material pioneiro enquanto arquitetura e história da cidade, enquanto conjunto de construções e de uma importante área de valor ambiental, é uma herança de trabalho, uma herança de mãos e mentes várias que colaboraram em diferentes momentos e sob as mais variadas condições na construção de um patrimônio comum. A Fábrica revela dor e esperança, sofrimento e celebração, luta e resistência inscritas em nossa cidade; trata-se de um conjunto peculiar pela sua localização e pela história e laços afetivos com
a população de seu entorno. A Fábrica ainda registra em seu espaço um saber-fazer e a memória da resistência de seus trabalhadores em uma luta desigual, reconhecida pela justiça em seu tempo e hoje objeto de estudos acadêmicos, mas também viu seus movimentos sociais desdobrarem-se de uma criatividade na criação de soluções que vão dos direitos ao trabalho, dos direitos da mulher, até questões pioneiras da saúde, do ambiente e da cultura, cuja herança reverbera na história de Perus.
Diante disso, capazes que somos de discernir e saber qual é esse lugar que vemos, aspiramos e certamente queremos para viver, demandamos a imediata desapropriação e destinação da Fábrica para uso público e social, com as seguintes características:
1. Instalação do Centro de Lazer, Cultura e Memória do Trabalhador, segundo aspiração já antiga do movimento Queixada.
2. Instalação de uma Universidade Livre e Colaborativa articulada ao Centro do Trabalhador.
3. Instalação de núcleos de pesquisa e outras instituições públicas voltadas à construção do conhecimento, cooperação e à formação.
Demandamos ainda – e estamos em condições de indicar os meios para tal e sua operação - que se estabeleçam no local da Fábrica de imediato as seguintes instalações e procedimentos, como estratégia para a constituição dos equipamentos acima listados:
1. Estabelecimento de um processo dialógico e participativo de diagnóstico e projeto voltado ao restauro da Fábrica. Trata-se de momento privilegiado para constituir uma ação envolvente das comunidades ligadas à fábrica. Mais do que um projeto técnico, trata-se da oportunidade de promover uma ação de valorização do patrimônio, associada à formação.
2. Realização de um estudo técnico das edificações existentes para estabelecimento de um plano de visitação às instalações e para subsidiar um projeto de restauro, a fim de que se possam buscar recursos públicos e incentivos fiscais para elaboração de um projeto participativo e suas obras, sendo estas mesmas consideradas como uma atividade de formação intelectual e profissionalizante;
3. Cessão imediata da Fábrica desapropriada para a instalação provisória de uma base avançada dos seguintes grupos: programa autônomo para a constituição da Universidade Livre e Colaborativa; Programa de Educação Tutoriada da USP e Café Filosófico da USP e para um embrião do Centro de Cultura e Memória, constituição de um espaço comunitário e cultural de gestão partilhada e autogerido.
Tais instituições pautar-se-ão pelo interesse público e terão sempre como objetivo a constituição de processos de produção e partilha do conhecimento amparados no diálogo e na colaboração entre os sujeitos. A gestão de tais equipamentos, mais do que participativa, deve ser radicalmente democrática e pública, envolvendo horizontalmente todos os agentes a eles associados: moradores, trabalhadores, gestores, educadores, etc.
Na condição de herança simbólica de um povo e de referência material à construção da memória de um grupo social, bem como na condição de documento e de testemunho da urbanização paulistana e da modernização do país, a Fábrica se apresenta como exemplo perfeito daquilo que a Constituição Federal, em seu artigo 216, entende por patrimônio cultural brasileiro: trata-se de bem que permite a constituição de “referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.” Ela assim se revela pois, entre outras coisas:
1. Acompanhou ao longo de sua trajetória o crescimento do bairro ao seu redor e da metrópole cujo produto de seu trabalho ajudou a construir, considerada a primeira fábrica de cimento organizada nessa escala inicialmente pelo capital canadenses, e depois por muitos anos a principal produtora de cimento no país. Sua inserção urbanística, as condições de trabalho e sua relação com o crescimento urbano da cidade, são um registro importante para se entender a estruturação do espaço urbano paulistano no século passado. Além de referência à memória de um grupo, de uma cidade e de um país, a Fábrica se constitui ainda como raro exemplar da arquitetura industrial a se instalar no Brasil nas primeiras décadas do século XX.
2. Foi palco de uma das mais importantes greves da história operária brasileira, sendo ainda ator protagonista da constituição de um dos mais importantes movimentos sindicais da história do país — o dos Queixadas. Com efeito, foi a partir da fábrica que se ajudou a delinear os sentidos e os princípios da firmeza permanente e da não violência ativa no seio da classe trabalhadora.
3. Dialogando com sentimentos e as impressões que a população de seu entorno construiu a partir dela, a Fábrica, mais do que documento, é uma marca da vida e da memória de milhares de pessoas que a ela atribuem valor afetivo cotidianamente e que dela se veem apartadas. Como lugar de memória e de consciência, trata-se de um privilegiado espaço articulador de desejos, lembranças e esperança de uma comunidade.
4. O reconhecimento de sua importância pode ser aferido, entre outros, pelas referências a seguir. O número crescente de estudos universitários sobre sua história, e a constante referência nos programas educativos das escolas da região. Pelo acervo reunido pela própria Prefeitura de São Paulo no início dos anos 90 quando os profundos laços afetivos e de memória que se estabeleceram entre os operários, suas famílias, os moradores do bairro de Perus e a Fábrica foram objeto de importante estudo conduzido pelo Departamento do Patrimônio Histórico, coordenado pelas professoras Maria Célia Paoli e Ecléa Bosi, Pelo reconhecimento do sentido público desse patrimônio material e imaterial expresso nos instrumentos de tombamento já existentes e pelo Decreto de Utilidade Pública 31805/92 desapropriando o conjunto da Fábrica essa finalidade, abandonado nas gestões seguintes. Na salvaguarda de importante material a ela referente no repositório Mário Carvalho de Jesus reunindo documentos entre 1955 e 1995 no Arquivo Edgard Leuenroth da UNICAMP.
5. Em síntese, a Fábrica permitiu a constituição de uma complexa trama de significados, afetos e lembranças dos mais variados grupos: vizinhos, trabalhadores, sindicalistas, educadores, historiadores, arquitetos, artistas. Ela é, sem dúvidas, ao mesmo tempo uma manifestação cultural e uma potencializadora de novas manifestações e leituras. Ao mesmo tempo em que se configura como documento dos vários momentos passados em que existiu, ela é a potência para a construção do futuro, permitindo aí a instalação de novas
atividades. Desse modo, a Fábrica e seu entorno formam um conjunto paisagístico cujo significado é regional, sendo referência inclusive para outros municípios da região com cuja história se entrelaçam.
6. A Fábrica se encontra potencialmente articulada a outros bens patrimoniais importantes para a metrópole: a Ferrovia Perus–Pirapora, a Vila Triângulo, o Parque Anhanguera, a estação de trem com sua praça, a sede do Sindicato Queixada, como foi conhecido, tombada por seu valor imaterial e uma configuração de paisagem ainda presente marcada pelo rio com importantes áreas vegetadas e pela ferrovia.
7. O reconhecimento do sentido público que deve pautar doravante o destino da Fábrica, e das lutas históricas de uma comunidade em defesa da qualidade de vida e da sua memória na construção desta cidade, propõe uma nova forma de convivência pautada na justiça social, no acesso à educação, cultura e saúde, na gestão democrática e participativa. Estamos efetivamente participando, desenhando e encontrando soluções através da ação solidária a construção de nossa história e nossa futuro.
Finalmente, reiteramos a necessidade do Município de São Paulo reconhecer efetivamente a Fábrica de Cimento Portland de Perus como patrimônio cultural paulistano, assumindo sua responsabilidade como agente que promova e assegure o seu interesse público e social, a fim de que ela possa ser plenamente usufruída como bem cultural por todos que nela vivem ou por que nela passem.
MOVIMENTO PELA REAPROPRIAÇÃO DA FÁBRICA DE CIMENTO PORTLAND PERUS
MANIFESTO
https://movimentofabricaperus.wordpress.com